Clickbait: A Verdade Oculta por Trás das Telas

Clickbait: A Verdade Oculta por Trás das Telas

A série “Clickbait”, lançada pela Netflix, é um thriller psicológico que mergulha nas complexidades da vida digital e nas consequências devastadoras de nossas ações no ambiente virtual. A trama acompanha o desaparecimento de Nick Brewer, um homem aparentemente comum e exemplar, cuja imagem é distorcida quando surge um vídeo viral na internet no qual ele aparece segurando cartazes que o acusam de abusar de mulheres e anunciar que morrerá quando o vídeo atingir 5 milhões de visualizações. A partir desse ponto, a série conduz o espectador a uma teia de segredos, mentiras e projeções, explorando como a sociedade contemporânea é moldada pela necessidade de exposição e validação online.

Sob uma perspectiva psicanalítica, “Clickbait” oferece um terreno fértil para refletir sobre os impulsos inconscientes que movem o comportamento humano em tempos de hiperconectividade. O enredo vai além do mistério policial e nos leva a questionar a forma como o sujeito contemporâneo lida com sua imagem, sua culpa, seus desejos reprimidos e o olhar do outro — conceitos centrais da teoria freudiana e lacaniana.

O espelho digital e o narcisismo moderno

Em termos simbólicos, as redes sociais funcionam como um espelho narcísico, onde o indivíduo busca incessantemente o reflexo idealizado de si mesmo. Freud já descrevia o narcisismo como uma forma de investimento libidinal no próprio ego, e Lacan ampliou essa ideia ao introduzir o Estádio do Espelho, momento em que o sujeito reconhece sua imagem e começa a construir sua identidade a partir do olhar externo.

Na série, cada personagem reflete uma variação dessa busca por validação. Pia, a irmã de Nick, sente necessidade de provar ao mundo — e a si mesma — que ele era inocente; Sophie, a esposa, vive a ambiguidade entre a culpa e a necessidade de manter a aparência de uma família perfeita; e a própria sociedade digital se transforma em um tribunal coletivo, no qual o “like” e o “compartilhar” substituem a reflexão crítica por impulsos de julgamento imediato.

Nesse contexto, o vídeo de Nick é o ápice do narcisismo distorcido: a exposição extrema da dor e da humilhação, transformada em espetáculo. É a materialização daquilo que Lacan chamaria de “gozo do olhar” — a fascinação mórbida que o sujeito sente ao ver o outro em sofrimento, um prazer inconsciente derivado do poder e da punição.

A culpa e o desejo inconsciente

Freud postulava que a culpa é um dos pilares da estrutura psíquica, ligada ao superego e à internalização das normas sociais. Em “Clickbait”, a culpa é um tema recorrente: cada personagem carrega uma parcela de responsabilidade pelo desenrolar dos acontecimentos. A esposa, que teve um caso extraconjugal; o filho, que se isola emocionalmente; os amigos e colegas de trabalho, que negligenciam sinais de sofrimento.

Entretanto, o maior símbolo da culpa e do desejo reprimido surge na revelação final: a verdadeira responsável pela catástrofe é uma mulher solitária, que utilizava perfis falsos para viver vidas imaginárias. Esse comportamento expressa, em termos psicanalíticos, uma sublimação frustrada do desejo. Incapaz de satisfazer suas carências afetivas no mundo real, ela projeta no espaço digital uma persona ideal, encarnando o conceito freudiano de “realização de desejo por meio da fantasia”.

A internet, portanto, torna-se um espaço simbólico do inconsciente coletivo, onde fantasias reprimidas, invejas, raivas e desejos podem ser atuados sem as barreiras da realidade. O anonimato e a distância emocional permitem que o id (instância pulsional e irracional) se manifeste com menos censura, enquanto o ego tenta, em vão, manter o controle das aparências.

A ilusão do controle e o vazio contemporâneo

Lacan afirmava que o sujeito é sempre dividido — entre o que é, o que acredita ser e o que o outro vê. Em “Clickbait”, essa divisão é amplificada pela lógica das redes, que criam uma ilusão de controle sobre a própria narrativa. O personagem de Nick é vítima dessa armadilha: mesmo sendo inocente, sua imagem pública é distorcida e consumida pelas massas, tornando-se independente de quem ele realmente é.

Essa dissociação entre o “eu real” e o “eu digital” representa a angústia moderna: a sensação de que a identidade é um produto, um avatar moldado para agradar. O sujeito perde a consistência de seu desejo, vivendo em função da aprovação alheia — o que Lacan chamaria de “desejo do Outro”.

CLICKBAIT (L to R) PHOENIX RAEI as ROSHAN AMIR and ZOE KAZAN as PIA BREWER in episode 102 of CLICKBAIT Cr. BEN KING/NETFLIX © 2021

O inconsciente em rede

“Clickbait” é mais do que um suspense tecnológico; é um espelho das neuroses de uma era em que o inconsciente se manifesta por meio de algoritmos e telas. A série evidencia como o desejo de ser visto pode se transformar em prisão, como a culpa pode ser amplificada pela exposição, e como o anonimato digital revela os aspectos mais sombrios da psique humana.

Em última instância, “Clickbait” denuncia a fragilidade da identidade contemporânea e nos convida a olhar para dentro — para o vazio que tentamos preencher com curtidas, comentários e validações. Sob a ótica da psicanálise, a série é um retrato perturbador da nossa relação com o desejo, a culpa e o olhar do outro: um lembrete de que, por trás de cada clique, há um sujeito dividido, em busca de sentido em meio ao ruído da era digital.

Equipe epicnerd

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